O 11º episódio do podcast Sem Dependência aprofunda o debate sobre o avanço das drogas sintéticas no Brasil e no mundo, destacando o crescimento do uso de cigarros eletrônicos (vapes), o surgimento de novas substâncias, como o nitazeno, e o aumento do consumo da chamada maconha sintética, mistura que pode conter opioides como fentanil e outros químicos altamente tóxicos.
Durante a conversa, os participantes alertam para os riscos da normalização do uso de substâncias que causam dependência e criticam a influência de lobbies e interesses de mercado que tentam flexibilizar leis e restrições.
“Os lobbies dessas grandes indústrias são explícitos. O mercado que oferece esses produtos quer vender cada vez mais, e vai tentar baratear o preço para que mais pessoas tenham acesso. Nesse contexto, o Estado serve para dar civilidade, para aperfeiçoar o processo humanitário e civilizatório social. Ele precisa dar rumo para a sociedade ser mais humana e saudável, e não deixar o mercado mandar em tudo. Fico muito surpreso que, em relação a produtos que causam tanto sofrimento, as pessoas encarem com tanta naturalidade”, afirma o advogado e escritor Paulo Leme Filho, ressaltando que a lógica de lucro das indústrias não pode se sobrepor à saúde pública.
Os debatedores também chamam atenção para a rápida evolução das drogas sintéticas, que se tornam cada vez mais potentes e acessíveis. O nitazeno, por exemplo, é uma droga até 50 vezes mais potente que a morfina, cuja fabricação já foi detectada em laboratórios clandestinos no Brasil.
Outro ponto central do episódio é o avanço da maconha sintética, produto adulterado com opioides e outras substâncias químicas que aumentam drasticamente o potencial de dependência e os danos ao organismo.
“A maconha de hoje não é a mesma de 30 anos atrás. Ela é muito mais forte e viciante, e entrega mais loucura por um preço mais baixo. E, agora, com a adição de fentanil e nitazeno, se transforma em algo ainda mais perigoso, especialmente para os jovens”, avalia Paulo Leme.
O advogado explica que o termo “maconha sintética” se refere a versões adulteradas com substâncias como fentanil, nitazeno e elementos da família K. “No Brasil, ninguém fala em nitazeno, em opioide, em fentanil, a não ser no meio da área da saúde. Mas se fala muito em maconha sintética. E ela é, basicamente, uma maconha borrifada com essas substâncias, que elevam muito seu potencial viciante e os riscos à saúde”, complementa.
Enquanto cresce o discurso de banalização do uso, muitos adolescentes estão experimentando drogas cada vez mais potentes sem saber o que realmente estão consumindo.
Fábio Piperno alerta que não se pode usar a legalização de produtos nocivos já aceitos socialmente, como o cigarro e o álcool, como justificativa para liberar novas substâncias.
“O vape já nasce de outra forma. Qual é a diferença, então, seguindo essa lógica, de legalizar o vape e não legalizar a cocaína? Essa lógica está errada. Não é porque um produto nocivo tem seu consumo liberado que devemos liberar todos. Será que a sociedade está preparada para liberar o vape, a maconha, a cocaína, a heroína e as drogas sintéticas?”, argumenta.
Paulo Leme mostra que a nova geração está ressuscitando a indústria do tabaco, agora com produtos ainda mais perigosos. “A geração mais nova está ressuscitando a indústria do tabaco através do vape, que é muito, mas muito mais prejudicial do que o ancestral cigarro. Esse daí vai acabar, vai ser substituído por uma coisa muito mais letal. Se acompanharmos o quadro de saúde mental da população jovem e a chegada das substâncias psicoativas, é fácil relacionar uma coisa à outra. O que vemos em termos de suicídio, mutilação e depressão é uma verdadeira hecatombe da saúde mental”, alerta.
O coordenador nacional da ONG Amor-Exigente, Miguel Tortorelli, também chama atenção para o impacto econômico e social do vape. “O vape já é caro, não é algo acessível à população de baixa renda, mas o consumo cresce muito. Se ele for liberado, vai baratear, vai ser produzido no Brasil, e aí sim teremos um problema muito maior, com mais gente entrando nisso”, observa.
O episódio reforça que o enfrentamento à dependência química precisa ir além da proibição, envolvendo políticas de prevenção, educação e saúde pública, com foco especial nas novas gerações.
“A sociedade precisa caminhar para ser menos doente, e não mais doente”, resume Paulo Leme Filho.
O Sem Dependência é uma iniciativa que busca ampliar o debate sobre a dependência química, tema que afeta diretamente cerca de 10% da população brasileira. Em episódios quinzenais, o programa traz discussões sobre temas atuais, com base em dados, experiências e análises. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), quase 30 milhões de brasileiros têm algum familiar dependente químico.
Mediado pelo jornalista Hugo Pereira, o podcast conta com a participação do advogado e escritor Paulo Leme Filho, do coordenador nacional da ONG Amor-Exigente, Miguel Tortorelli e do jornalista Fábio Piperno.